Texto e fotos: Sandro Fortunato
Outubro de 2004
FONTE:http://www.memoriaviva.com.br/siteantigo/bela.htm Quando a matéria “A Bela Adormecida do Paraná” foi disponibilizada no site O Cruzeiro on line, no dia 18 de junho deste ano, não esperávamos tanta repercussão. Recebemos vários e-mails com as mesmas perguntas: O que aconteceu com ela? Como terminou a história? Vamos lembrar como começou. No final de 1957, a jovem Leci Susana Garcia, então com 17 anos, natural de Londrina, Paraná, estava gripada. Um dia, queixou-se de sonolência. E caiu no maior sono de que sem notícia. Quando a revista O Cruzeiro noticiou pela primeira vez o caso da Bela Adormecida do Paraná em sua edição de 26 de março de 1960, Leci dormia há mais de dois anos. Ela foi notícia em Londrina, no Brasil e no mundo. Médicos, religiosos e até paranormais tentaram despertá-la de seu sono. Corte. Agosto de 2004. Quase 47 anos depois do início dessa história, a reportagem do Memória Vivavai encontrar Leci no Conjunto Ernani Moura Lima, em Londrina. O local fica próximo ao aeroporto. É um bairro simples, residencial. O taxista erra a entrada, damos mais uma volta e finalmente chegamos. Logo na casa da esquina nós a encontramos. A plaquinha na modesta residência de cor rosa, que parece abandonada, informa: aquela é a Rua Leci Susana Garcia. “Ela foi uma noiva que morreu num acidente, não foi?”, pergunta Dona Elza Gonçalves, a mais antiga moradora da rua. Não, Dona Elza, Leci não morreu em um acidente. Ela dormiu. E nunca mais acordou. Foram quase cinco anos dormindo. A primeira parte dessa história terminou em outubro de 1962. Primeira parte? Sim. Porque depois começa a história da Leci que leva fiéis ao cemitério. Fiéis que acreditam que ela faça milagres. “Eu sou evangélica mas de vez em quando eu apareço lá. Ela atende os pedidos. Uma coisa que eu pedi, ela atendeu”, conta Dona Elza. Mas voltemos à história do estranho sono. Leci não estava exatamente dormindo. “Para nós, ela estava consciente. A gente conversava e ela respondia (com pequenos sinais)”, conta Mauro Antônio Garcia, irmão mais novo de Leci. Da gripe ao sono profundo, foi aproximadamente um mês e meio. “A cada dia, ela tinha uma regressão de movimentos, até entortar a face, ficar com a boca torta, dificuldade de falar, Isso foi gradativo. Cada dia era um sintoma negativo, até entrar em coma”, lembra ele. Branca Garcia Martinez, a mais nova das quatro irmãs Garcia, conta como tudo começou: “Ela se sentiu mal – estava com gripe –, depois começou a sentir um adormecimento no braço e na perna e foi levada a médicos. Dr. Ascêncio (veja o box) foi chamado e constatou que era uma gripe asiática. Depois disso ela foi piorando. Daí constataram que era uma encefalite-a-vírus. Ela foi para Curitiba e voltou bem ruim, já veio desenganada. Ela já foi para Curitiba com o diagnóstico de encefalite e voltou com ‘15 dias de vida’. Com soro, já não comia. Voltou em coma. Entrou em coma profundo e por uns seis ou sete meses ela se alimentou só com soro”. O caso de Leci logo começou a ser abordado pela imprensa. Primeiramente pelos jornais locais e depois de dois anos pela imprensa nacional. Foi quando apareceu o jornalista Hélio Siqueira, do Diário de São Paulo, que esteve em Londrina e começou a fazer reportagens sobre Leci. O caso passou a ter repercussão nacional e chamou a atenção de autoridades como o secretário de Saúde de São Paulo, Fauze Carlos, que se interessou e cedeu um leito no Hospital das Clínicas. Até um avião da FAB - Força Aérea Brasileira estaria à disposição de Leci para levá-la a qualquer lugar do mundo onde pudesse haver uma cura. “Tudo que se pensasse, que se imaginasse que alguém pudesse fazer de bom para ela, meu pai ia atrás. Na época existia o Padre de Tambaú (Pe. Donizetti), o Zé Arigó (paranormal que fazia operações espirituais). Veio gente da Índia, um hindu veio aqui em Londrina fazer trabalhos para ela. Se você chegasse falando ‘eu tenho um poder assim ,eu sou um paranormal, eu tenho um dom de receber uma graça de Deus e vou fazer uma coisa para ela, posso fazer uma oração?’ Pode. Esse hindu, através da imprensa brasileira, ficou conhecendo a história. Ele escreveu ao meu pai perguntando se poderia vir e fazer um tratamento nela. Jamais poderia ser dito ‘ela não teve um atendimento assim porque a família não deixou’. Não. Tudo foi tentado”, conta Mauro. A irmã confirma e completa: “As pessoas católicas faziam orações, as irmãs (do colégio onde estudavam) faziam orações, o que chegasse a gente aceitava porque era uma esperança”. No entanto, médico algum jamais deu esperança ao caso. Chegaram a pensar em levar Leci para a Rússia. Foram mandados os exames mas eles disseram “não adianta vir que não tem o quê fazer”. Seus exames foram enviados aos maiores centros neurológicos da época: Rússia, Canadá, Estados Unidos e França. Nunca ninguém disse “ela vai voltar”. “Tudo que foi falado na parte médica, sempre foi em hipótese” diz o irmão, “foi uma coisa assim: vamos deixar como está para ver como é que fica. Nem medicamento ela tomava. Eram feitos exames periódicos. Todos os médicos falavam que era incrível, pois tudo funcionava como um relógio. Às vezes, a gente percebia, ela ficava muito nervosa. Ela se mordia. Teve época que ela tinha que dormir amarrada porque, à noite, ela levava a mão à boca e se mordia. Chegava a ferir. Deveria ser ansiedade. Para nós, ela estava consciente. No final, pouco antes de morrer, ela balbuciava algumas palavras que nós entendíamos. A gente abria o olho dela e perguntava ‘sabe quem está aqui?’. Às vezes ela fazia assim (leve movimento com a cabeça), às vezes balbuciava o nome. Mas não na fase aguda, isso foi depois. A gente percebia que ela tinha consciência. Então esse nervosismo era totalmente compreensível. Ela pensava, raciocinava e não conseguia se expressar”. Leci era uma jovem “muito divertida, dançava, tocava acordeom, era alegre, uma pessoa super normal, jogava vôlei, namorava”. O noivado estava marcado para abril de 1960, quando ela faria 18 anos. Como ficou doente em novembro do ano anterior, acabou ficando noiva mesmo de cama, estando em coma, por exigência do namorado. Isso foi na época do Natal. “Depois de uns dois anos, dois anos e meio”, conta Branca, “papai disse (ao noivo) ‘você está livre e desimpedido para seguir sua vida’ ”. Não havia qualquer expectativa da volta de Lecy ao estado consciente. Com a doença de Leci, a rotina na casa dos Garcia mudou. O pai, David, agricultor, passou a dedicar-se quase exclusivamente à filha, fato sempre lembrado nas reportagens e por quem conhecia a família. Dona Rosa, costureira, tinha ainda outros quatro filhos para criar: Maria Nelly, Myriam Estela, Branca e Mauro. “Nós éramos quatro moças e ele (Mauro), o caçula. Eu tinha 13 anos nessa época. Ele é dois anos mais novo que eu. Era um drama total. Mamãe vivia quase só em função dela. Era costureira e ainda trabalhava, além de cuidar dela. Se alguém escutasse um barulho, tinha que correr. Ela ficou quase cinco anos na cama e nunca teve uma feridinha. Eles a trocavam de lugar, viravam, levavam para tomar sol”, lembra Branca. “Ela tinha atenção 24 horas. Meus pais ficavam atentos a qualquer movimento. Se ela se mexesse, eles já pulavam para ver, naquela ansiedade de ser uma melhora”, completa o caçula dos Garcia. E que lição se tira de uma experiência dessas? “Dedicação de pais. Só mesmo pai e mãe para ter tanta dedicação”, responde Branca, “não se revoltaram nunca. Nunca ouvi uma reclamação, um pingo de revolta. Nem depois que ela faleceu”. “Nem ‘tô cansado dessa vida. Por que comigo? Por que aconteceu isso? O que eu fiz para receber esse castigo?’ Nada. Nunca ouvimos nada disso”, diz Mauro, antes da irmã completar: “Foi uma lição de aceitação, de resignação. Se você tem fé, você não se revolta. Para mim, ficou esse exemplo”. Leci Susana Garcia faleceu no dia 3 de outubro de 1962, quase cinco anos depois de ter começado a dormir. Seu túmulo no Cemitério São Pedro (veja box) é um dos mais visitados de Londrina.
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segunda-feira, 20 de abril de 2015
O que aconteceu com a Bela Adormecida do Paraná?
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