quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Milagre nos Andes" narra desespero e agonia


O que pensa um sobrevivente de desastre? "Milagre nos Andes" narra desespero e agonia





O mundo acompanha, nesta terça-feira (12), o início da operação de resgate dos 33 mineiros soterrados no Chile. A provação enfrentada por esses trabalhadores isolados há 68 dias a quase 700 metros de profundidade remete a outra história surpreendente no país: no dia 13 de outubro de 1972, uma sexta-feira 13, uma avião com destino a Santiago se chocou com uma montanha e caiu nas profundezas dos Andes com 45 passageiros a bordo - 29 sobreviveram, mas apenas 16 foram resgatadas, após 72 dias de sofrimento.
Nando Parrado foi um dos que resistiram ao frio, à fome e ao desespero. Até cadáveres foram usados como alimentos. Em"Milagre nos Andes", ele relata, com extrema comoção e detalhes arrepiantes, as sensações e emoções de quem passou por uma situação de proximidade com a morte. Ele ficou inconsciente por três dias antes de acordar e descobrir a queda do avião que levava seu time de rúgbi e seus familiares e amigos para um amistoso no Chile.
À medida que o tempo passava, os pensamentos de Nando se voltavam cada vez mais para o pai, que ele imaginava devastado pela dor. Então, ele tomou uma decisão: tinha que voltar para casa ou morrer a caminho. O livro é um olhar revelador sobre a vida à beira da morte e uma meditação sobre o ilimitado poder de redenção do amor.
Leia um trecho.
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Nos dias depois da morte de Susy, o amor pelo meu pai foi a única coisa que me manteve são, e diversas vezes, para me acalmar, eu reafirmava a promessa que fiz diante da cova da minha irmã: de que eu voltaria para ele, mostraria que estava vivo e aliviaria um pouco sua agonia. O desejo de vê-lo encheu meu coração e não houve um instante que eu não o imaginasse em sua dor. Quem o estava confortando? Como ele estava combatendo o desespero? Imaginei-o vagando à noite de um quarto para o outro, ou revirando na cama até a manhã seguinte. Como deveria ser torturante para ele sentir-se tão impotente. Como devia se sentir traído por ter passado a vida toda protegendo e provendo a família que amava para vê-la ser arrancada de si. Ele era o homem mais forte que eu conhecia, mas seria ele forte o bastante para suportar uma perda daquele tipo? Será que conseguiria manter a sanidade? Ou perderia toda a esperança e vontade de viver? Às vezes, minha imaginação passava dos limites e eu me preocupava que ele pudesse se machucar, escolhendo acabar com seu sofrimento e se juntar àqueles que amava na morte.
Pensar no meu pai dessa forma desencadeava em mim uma explosão tão radiante e urgente de amor que me deixava estupefato. Não conseguia suportar a idéia de que ele sofresse um segundo a mais. No meu desesperto, direcionava uma raiva silenciosa aos enormes picos que assomavam sobre o local da queda, bloqueando o caminho para o meu pai e prendendo-me naquele lugar perverso onde eu não podia fazer nada para aliviar sua dor. Aquela frustração caustrofóbica me atormentou até que, como um homem enterrado vivo, comecei a entrar em pânico. Um medo visceral preenchia cada instante, como se a terra sob meus pés fosse uma bomba-relógio que pudesse explodir a qualquer momento; como se eu estivesse vendado diante de um pelotão de fuzilamento, esperando que as balas varassem meu peito. A aterradora sensação de vulnerabilidade - a certeza de que a morte estava a instante de distância - jamais cessou. Ela permeou cada momento que passei na montanha. Tornou-se o pano de fundo de cada pensamento e conversa. E gerou em mim uma urgência obsessiva de fugir. Lutei contra esse medo da melhor maneira que pude, tentando me acalmar e pensar com clareza, mas houve momentos em que o instinto animal ameaçou vencer a razão, e tive de usar de todas as minhas forças para não sair em disparada, às cegas, pela cordilheira.

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