sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

HISTORIAS SOBRE O MONGE DA LAPA- JOÃO MARIA (PARTE II )

PARTE-II

João Maria, suas lendas e suas profecias corriam o mundo.
Maricota, muito cainha, estava fritando cheirosa lingüiça quando João Maria apareceu à porta da casa:
- Estou com fome. Você pode me dar um tiquinho de angu com lingüiça?
- Lingüiça não tem... – mentiu, sovinando.
- É verdade, você não tem mesmo lingüiça.
Ao voltar à cozinha, Maricota encontrou uma porção de cobrinhas agitadas na frigideira que deixara sobre o fogão.
À beira do arroio, as mulheres lavavam as roupas.
João Maria passou e perguntou à mais pobre:
- Lavando umas roupinhas?
- Sim. Lavando seda.
João Maria passou e perguntou a mais rica:
- Lavando umas roupinhas?
- Sim. Lavando uns trapinhos.
Quando as roupas foram estendidas ao sol, os trapinhos da mais pobre viraram seda, enquanto a seda da mais rica virou trapo.
Uma dona foi levar-lhe uma galinha preta, mas correu tanto no terreiro para apanhá-la, que exclamou: “galinha do diabo!”
João Maria disse que não podia aceitar a oferta porque a ave já era do demo.
Ao morador de uma casa, no meio da qual havia um cedro, João Maria falara:
- Essa árvore ainda vai ser a sua salvação.
Foi compreendido vinte anos depois, quando um raio caiu sobre a casa e, sorvido pelo cedro, salvou-se por milagre a família.
Frei Silvério não quis batizar uma criança porque a mãe não podia pagar pelo ofício. João Maria deu a esta uma nota de cinco mil-réis para pagar a frei Silvério que, após o sacramento, viu desaparecer o dinheiro da palma da mão.
Os povoados em que fora maltratado, João Maria disse que iriam “rodar para trás” e, de fato, foram sumindo. Antevira: “um dia, Curitibanos vai se tornar tapera”; “a cidade de Lages sofrerá uma praga de borrachudos”.
Com muita fé, uma família andou léguas e léguas para buscar água numa fonte sagrada, com a qual encheu uma barrica. Na manhã do outro dia, a barrica estava até a boca de vinho em que se transformara a água.
Uma parturiente desobedeceu a João Maria, quando este mandou que assoprasse uma garrafa e colocasse na cabeça o chapéu do marido. Desacreditado, tocaram-no do quarto.
Pobre mãe, louca mãe: a criança nasceu com duas guampa na testa!
Uma cabocla pediu ao marido:
- Perciso pagá uma promessa. Me leve esse pacote de vela pro João Maria.
- Levo pro diabo.
De má vontade, o malcriado se foi com o embrulho sentindo-lhe o peso e o volume sob o braço. Mas ao dar de chofre com João Maria, teve um prisco: havia perdido o pacote. E ouviu a explicação:
- Ficou para quem você disse que ia levar...
A família que comprou uma fazenda mandou atear fogo ao cruzeiro que João Maria erigira. Então perdeu o gado, as colheitas e deu origem a uma estirpe de loucos.
Emprestaram-lhe um cavalo trôpego e este começou a caminhar sem mancar.
Um fotógrafo que bateu duas chapas do Velhinho sem pedir-lhe consentimento, ao revelá-las... – estavam em branco!
João Maria surgia e sumia de súbito. Viam-no em diversos lugares ao mesmo tempo. Caminhava sobre as águas dos rios, dispensava as balsas para atravessá-los.
Quando a polícia quis prendê-lo sob a acusação de que pregava a anarquia entre o operariado, evaporou-se no ar.
Um sujeito vivia troçando das cousas sagradas e dizia: “nóis não sabe lê nem escrevê, e os ricos fais nóis de bobos; morreu, fedeu”.
Ao partir lenha no mato, foi morto por um raio.
Num domingo de farto almoço, um fazendeiro não deixou João Maria entrar em sua casa e mandou que lhe dessem um prato “lá fora”. Na mesma hora, engasgou-se com um osso de galinha. Se não fosse João Maria pousar-lhe as mãos sobre os ombros, poderia ter morrido.
Uma cruz mudava de Mafra para o Rio Negro, ora de Rio Negro para Mafra. E nos braços de outra que plantara no topo de colina, brotaram flores.
A mulher que lhe negou um pouco de erva para o chimarrão viu-a transformada em cinzas na barrica. Não foram poucos os que por negarem queijo a João Maria ou por maltratá-lo ficaram pobres. Por não crerem, muitos fazendeiros se arruinaram, “miseráveis”.
Cumpriram-se as profecias e, agora, é só aguardar o fim do mundo.
Anunciara a queda o Império, mas abominava a traição dos ministérios, dizendo que os “bons tempos do Império” seriam sempre lembrados, depois que os soldados implantassem o “governo do diabo”. E acrescentava: “durante seis anos vão rebentar as bombas”. Noutra vez, reafirmara: “o rio Cavernoso vai dar sangue pelas canelas”. E sentenciou: “quando derrubarem a Casa Verde virão grandes enchentes como castigo”.
Onde fica a Árvore Santa, apregoara:
- A igreja não cumpre mais a vontade e a palavra de Deus. A missa é rezada por dinheiro, em língua estrangeira. Os padres não batizam o pobre que não pode pagar. O castigo vem chegando pelo fogo do inferno.
Em conseqüência, a Catedral de Guarapuava foi destruída por um incêndio. E por muito tempo a cidade deu crédito ao anúncio de outra tragédia: “no fundo do Lago surgirá um monstro que devorará a cidade”.
Em Ponta Grossa, encastelada nas colinas do rio Pitangui, fora apedrejado e amaldiçoara:
- Vai chover uma chuva de pedras em Ponta Grossa.
Nesse dia, a casa do Homem do Banquinho sumiu do mapa.
Previra o avião:
- Ouço o ronco de pássaros de ferro no ar.
Numa da vezes em que fora visto na aldeia à beira-rio, prevenira:
- Vocês rezem muito e façam atos de compunção porque vai haver um grande desastre nas maretas.
Era a hora da partida dos balseiros, em meio ao vivório e estampidos de armas de fogo. Depois a notícia de que, numa curva estreita do rio, os ladrões de vigas mataram três balseiros a tiros de espingarda e, no Salto Grande, morreram seis homens numa jangada.
Numa de suas últimas prédicas, atacando os pica-paus e a República, deu a notícia:
- Outro monge virá continuar a minha guerra.
No entanto, era para livrar o povo dos males “da peste, da fome e da guerra”, que erigia as cruzes. Nos diversos lugares onde fazia aparição, as populações levantavam dinheiro, construíam capelas nas quais ardem velas dias e noites, pagando promessas, ao lado de, pilhas de muletas. Foram difundidas suas práticas, suas receitas, suas simpatias, suas benzeduras. Pouca gente não sabia que sarro de pito é bom para bicho-de-pé, inflamações e mordedura de cobra. Neste caso, mandava manter o pé na terra molhada e tomar seis goles de limão. Até um perna-de-pau correra ao encontro de João Maria, pensando em recuperar o membro decepado na guerra do Paraguai.

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