quinta-feira, 15 de abril de 2010

Norte-coreanos contrabandeiam informações sobre o país


FONTE: New York Times News Service Tradução: Gabriela d'Ávila
Qua, 14 Abr, 04h48
A Coreia do Norte, um dos países mais impenetráveis do mundo, enfrenta uma nova ameaça: redes formadas por seus próprios cidadãos que fornecem informações sobre a vida no país para a Coreia do Sul e seus aliados ocidentais. As redes são criação de alguns desertores norte-coreanos e ativistas de direitos humanos sul-coreanos que usam seus celulares para perfurar o blecaute quase total de notícias da Coreia do Norte.

O trabalho é arriscado. Recrutadores passam meses identificando e persuadindo potenciais informantes, ao mesmo tempo em que se esquivam das polícias norte-coreana e chinesa, determinadas a impedir esse trabalho. Os norte-coreanos enfrentam um perigo ainda maior; a exposição pode levar à prisão - ou até à morte.Para construir as redes, os recrutadores vão até a China para buscar o apoio dos poucos norte-coreanos autorizados a viajar para lá, fornecem celulares para passar pela fronteira, então postam os relatos enviados via telefone e mensagem de texto em sites da internet.
O resultado tem sido notícias livres, uma confusão de relatos por vezes confirmados, mas geralmente contraditórios. Alguns têm sido importantes; os sites foram os primeiros a relatar a indignação dos norte-coreanos em relação a uma drástica desvalorização da moeda no ano passado. Outros artigos têm sido mais prosaicos, cobrindo temas como o hábito dos norte-coreanos de ter bichinhos de estimação e suas queixas em relação ao preço do arroz.
Que notícias assim estejam vazando já algo revolucionário para um Estado gulag brutalmente eficiente que enclausurou forçadamente seu povo por décadas, mesmo enquanto outras sociedades fechadas aceitavam com relutância pelo menos algumas das intrusões de um mundo mais conectado.
"Num vácuo de informação como a Coreia do Norte, qualquer migalha a mais - até mesmo no campo dos rumores - ajuda", disse Nicholas Eberstadt, estudioso do American Enterprise Institute, que há décadas escreve sobre os problemas econômicos e da população do país. "Você não conseguia esse tipo de informação", ele disse, referindo-se aos relatos sobre a crise atual.
"Foi fascinante ver a oposição dos níveis mais baixos" da sociedade norte-coreana, diz. Segundo ele, o vazamento constante de notícias "do que se comenta na Coreia" está contribuindo para debates sobre a possibilidade de um colapso do governo.
As notícias que os informantes estão reforçando provavelmente não respondem a perguntas sobre o programa nuclear ou a sucessão do poder no país. Não há evidências até agora de que essas novas fontes tenham qualquer acesso à elite militar ou à cúpula governamental da Coreia do Norte.
Os próprios informantes continuam sendo de uso limitado para atividades de espionagem dos Estados Unidos e da Coreia do Sul, em parte por que o Norte não tem ampla rede de telefonia móvel, o que torna fácil para as autoridades escutar chamadas, e difícil para os espiões informar eventos em tempo real.
Como diz um oficial americano de inteligência: "Você não vai encontrar o projeto de urânio da Coreia do Norte a partir desses caras".
Assim, os métodos tradicionais de coleta de dados de inteligência - imagens via satélite, telefone e intercepção de computadores, além de informantes e agentes do serviço de inteligência da Coreia do Sul - continuam sendo as principais fontes de informação.
Mesmo assim, o site parece ter causado alguns danos. As agências de espionagem da Coreia do Norte, que quase nunca admitem fraqueza, recentemente alertaram que "o esquema da Coreia do Sul para derrubar nosso sistema, empregando todos os métodos e formas de espionagem, está se espalhando, da periferia do nosso território até o interior".
Eles prometeram retaliação, especialmente contra "o lixo humano", aparentemente uma referência aos norte-coreanos que traíram o código de silêncio de seus líderes, seja por princípio ou para obter um complemento para seus salários miseráveis.
As redes de informantes fazem parte de uma mudança mais ampla na coleta de informações de inteligência enraizada nas fraquezas do Norte. O primeiro marco veio na década de 1990, quando a fome causada por um colapso no sistema socialista de racionamento levou desertores para fora do país, para os braços das agências de inteligência sul-coreanas e americanas.
A fome também levou a Coreia do Norte a permitir que comerciantes cruzassem a fronteira com a China para trazer comida, deixando-os vulneráveis a agentes estrangeiros, à mídia e, mais recentemente, às intenções de desertores e ativistas de forçar mudanças na Coreia do Norte.
O primeiro dos sites foi criado há cinco anos. Hoje, já são cinco. Pelo menos três dos sites recebem algum tipo de financiamento do Congresso dos Estados Unidos, através da Doação Nacional para a Democracia.
Os relatos na internet têm sido especialmente impressionantes para os sul-coreanos, oferecendo uma visão rara do "reino eremita" livre da parcialidade de seu próprio governo, sejam os anticomunistas que retratam o Norte da pior forma, ou os liberais que embelezam más notícias com medo de colocar em risco as chances de diminuição das tensões.
"Tenho orgulho do meu trabalho", disse Mun Seong-hwi, desertor que virou web-jornalista, trabalha com os informantes e usa um apelido para proteger os parentes que deixou para trás. "Ajudei o mundo exterior a ver a Coreia do Norte como ela é".
Mesmo na época da Cortina de Ferro, a Coreia do Norte era uma das sociedades mais enclausuradas do mundo. Havia poucas embaixadas ocidentais onde espiões se passavam por diplomatas.
Com os cidadãos incumbidos de vigiar uns aos outros em busca de atividades suspeitas, estranhos não passavam despercebidos por muito tempo.
Dos 8.400 agentes que a Coreia do Sul enviou além das fronteiras entre o final da Guerra da Coreia, em 1953, e 1994, apenas 2.200, ou 1 em cada 4, voltaram para casa. Alguns desertaram, segundo ex-agentes, mas muitos foram mortos.
Em 2008, quando o líder da Coreia do Norte, Kim Jong Il, teve um derrame, foi uma sondagem à distância, em vez de espionagem em campo, que divulgou a notícia. Agentes sul-coreanos interceptaram uma mensagem de e-mail do governo contendo exames cerebrais, segundo a revista Monthly Chosun.
Os sites não revelaram notícias tão delicadas, embora as implicações de seus relatos da crise atual, mais tarde confirmada por oficiais do governo sul-coreano, tenham tido longo alcance.
Eles disseram que o Norte estava exigindo que as pessoas trocassem notas de dinheiro antigas por novas, a uma conversão de 100 para 1, assim como limitando a quantidade de dinheiro antigo que poderia ser trocada.
Isso sugeriu que autoridades do Norte estavam sendo linha-dura com as poucas iniciativas privadas que eles toleraram, acabando com esperanças de que o país poderia seguir o exemplo da China de pelo menos abrir sua economia em breve. Mesmo assim, os sites ainda enfrentam muitos desafios.
Os celulares funcionam na rede de telefonia móvel da China, então eles operam apenas dentro de um limite de distância da fronteira chinesa.
Pelo fato de que os norte-coreanos não podem viajar livremente em seu país, os sites são obrigados a depender em sua maioria de pessoas que moram perto da China.
Além disso, Ha Tae-keung, que gerencia um dos sites, afirma que algumas fontes têm tendência a exagerar, possivelmente na esperança de ganhar os bônus que ele oferece por furos de reportagem.
Ao mesmo tempo, ele e outros operadores de sites ficam vulneráveis a "corretores de informações" do Norte, que vendem notícias falsas. Mas Ha disse que a qualidade da informação estava melhorando, à medida que os sites contratam mais desertores que deixaram empregos no governo e permaneceram em contato com antigos colegas, muitas vezes por celular.
"Esses membros do governo fornecem notícias porque se sentem inseguros quanto ao futuro do regime e querem ter uma ligação com o mundo exterior", ele disse, "ou por causa da amizade que têm com os desertores que trabalham para nós, ou por dinheiro".
Embora esses contatos fossem inimagináveis há 20 anos, uma coisa não mudou: o perigo. Mun, do site Daily NK, conta que seus informantes vivem num jogo eterno de "gato e rato" com as autoridades. O governo norte-coreano pode monitorar ligações de celular, mas rastreá-las é mais difícil, então a polícia percorre o interior em jipes equipados com dispositivos de rastreamento.
Os informantes telefonam para ele uma vez por semana; eles nunca dão seus nomes, e escondem os aparelhos bem longe de suas casas. Apesar dessas precauções, às vezes os informantes são pegos.
No começo deste mês, o site de Ha relatou que um operário de uma fábrica de armas foi encontrado com um celular e confessou fornecer informações à Coreia do Sul.
Uma fonte afirmou que mais tarde o informante foi executado por um pelotão de fuzilamento - em público.
David E. Sanger contribuiu com a reportagem de Washington.

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